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O Cérebro do Fanático



“Chegando uma Raposa a uma parreira, viu-a carregada de uvas maduras e formosas e cobiçou-as. Começou a fazer tentativas para subir; porém, como as uvas estavam altas e a subida era íngreme, por muito que tentasse não as conseguiu alcançar. Então disse: - Estas uvas estão muito azedas, e podem manchar-me os dentes; não quero colhê-las verdes, pois não gosto delas assim. E, dito isto, foi-se embora.”

Esta é a fábula da “Raposa e as Uvas”, atribuída ao escritor grego Esopo. Mesmo que a moral seja o ponto principal e desenlace de toda fábula, me interessa mais o comportamento da raposa. Animal reconhecido por ser astuto, logo desistiu da uva quando percebeu que não iria alcançá-la. A desistência por si só não demonstra nenhum ato de esperteza da raposa, mas para fazer jus a sua fama, além de desistir, ela atribuiu um valor de negativo ao item rejeitado, ela disse: “Estas uvas estão muito azedas, e podem manchar-me os dentes”. Sem saber, a raposa estava nesse momento diminuindo o desconforto psicológico causado por sua escolha, pois o dilema era: “eu gosto da uva”, mas “eu rejeito a uva”. O animal desejava as uvas, mas por não conseguir pegá-las, para diminuir o desconforto gerado pela desistência, retira ou diminui o valor atribuído a elas, qualificando-as como azedas ou nocivas aos dentes. Essa manobra comportamental realizada pela raposa, denominamos de “Dissonância Cognitiva”. Um fenômeno cognitivo em que diante de uma escolha entre duas situações, tendemos a valorizar a situação escolhida e desvalorizar a situação rejeitada. Esse fenômeno já foi evidenciado por exames de neuroimagem, que mostram atividade numa região do cérebro denominada estriato, topografia implicada no sistema de recompensa do cérebro.

Quando pensamos no processo eleitoral no Brasil, uma república de sistema presidencialista, entendemos facilmente que diante de uma escolha política, o eleitor está sujeito a experimentar a todo momento o efeito de dissonância cognitiva. Ao preferir um candidato, entre dois disponíveis, o seu cérebro irá agregar valor ao candidato escolhido e diminuir valor ao candidato rejeitado (mesmo que o eleitor goste do candidato rejeitado, veja bem: “eu gosto, mas eu rejeito”, portanto desagrego valor para sofrer menos com minha decisão de rejeitá-lo, é automático, quase como um mecanismo de defesa do cérebro). O mesmo acontecerá na escolha entre dois candidatos indesejados (agrego valor ao candidato que eu escolhi, para sofrer menos com a contradição de escolher alguém que eu não desejava). Até então, tudo bem, faz parte do processo eleitoral o que foi descrito acima.


A pergunta é, por que diante do cenário brasileiro tão polarizado algumas pessoas atribuíram tanto valor a suas escolhas eleitorais a ponto de começarem a ter comportamentos radicalizados, exacerbados, extremistas e agressivos, que antes não possuíam? Por que uns agiram assim e outros não? Existe uma base neurobiológica por trás do fanatismo que predispõe alguns indivíduos a terem comportamentos tão diferentes diante do mesmo ambiente? Os mecanismos neurais da dissonância cognitiva já têm sido esclarecidos na neurociência, o que sugere que o mero ato de fazer uma escolha não altera apenas a preferência por ela, mas altera também bases neurais.

Nos próximos parágrafos vou trazer informações sobre as bases neurobiológicas do nacionalismo/patriotismo, do fundamentalismo religioso, do radicalismo e do terrorismo.

O primeiro passo para o entendimento das características comportamentais e das bases neurais envolvidas no nacionalismo e patriotismo, é definir os termos:

  • · Nacionalismo: identificação e avaliação positiva de uma nação, inerentemente relacionada a anulação de outra nação.

  • · Patriotismo: orgulho de uma nação que é consequentemente associada a uma avaliação positiva desta nação, independente da comparação com outros países.


O nacionalismo mostrou estar relacionado a características psicológicas como: ausência de compaixão, abuso de direitos humanos, intolerância a minorias, xenofobia, violência étnica, apoio a armamento nuclear e políticas de guerra. O patriotismo mostrou estar relacionado a características psicológicas como: maior sensação de bem-estar, bom humor, menos egoísmo, menos problemas comportamentais, sentimentos de segurança, de autoaperfeiçoamento, forma mais cooperativa e pacífica de abordagem do mundo. As evidências mostram que possivelmente o nacionalismo e o patriotismo compartilham a mesma base neurobiológica com o conservadorismo político.


Com isso, é claro que o termo “patriotismo” tem sido usado de maneira inadequada por um grupo de pessoas que se autointitulam como defensores da pátria, mas na verdade possuem um traço psicológico muito mais comum ao nacionalismo (violência, armamento, intolerância) do que ao patriotismo (sensação de bem-estar, forma mais cooperativa e pacífica de abordagem do mundo). Eu não quero dizer com isso que as pessoas que, de maneira inadequada, se autointitulam patriotas, são na verdade nacionalistas. Como descrevi anteriormente, o termo nacionalismo envolve a exaltação de uma nação em detrimento de outra e isso não percebo no movimento atual que tem desenrolado na sociedade brasileira. No entanto, com fundamentos neurobiológicos, eu afirmo que o comportamento deste grupo, não condiz nem um pouco com o traço psicológico de um patriota, no sentido genuíno do termo.

O nacionalismo está relacionado a uma maior densidade de substância cinzenta em regiões do cérebro como córtex do cíngulo posterior, córtex órbitofrontal e menor densidade de substância cinzenta na amigdala direita. O patriotismo está relacionado a uma menor densidade de substância cinzenta na região do córtex pré-frontal dorso lateral direito. Aqui temos a evidência de uma estrutura neural diferente entre duas formas distintas de identificação com a nação.


Estudos em veteranos de guerra americanos que tiveram ferimentos cerebrais revelaram que lesões do córtex pre-frontal ventromedial estão relacionadas ao fundamentalismo religioso, outra base neurobiológica sendo revelada.


O terrorismo e a radicalização são temas de estudo de diversas áreas como sociologia, ciência política, criminologia, economia, psicologia e mais recentemente a neurociência. Para iniciar, devemos entender que existe uma base genética importante na radicalização e no terrorismo, 40% a 60% dos comportamentos antissociais e agressivos tem um componente de herdabilidade.


Os terroristas veem o mundo sob uma ótica preto e branco, sem ao menos considerar que possa existir uma zona cinzenta entre o preto e o branco, a longo prazo isso promove rigidez e inflexibilidade em termos de entendimento, expressão e articulação de crenças religiosas, morais ou políticas. Para os terroristas, existe um dualismo moral bem restrito, em que apenas duas situações morais podem existir, o certo e o errado. Assumindo que eles estão do lado certo, eles justificam a violência para combater “o mal”, “o errado”. Este funcionamento cerebral, reflete uma inflexibilidade cognitiva que não permite que o pensamento circule por outras vertentes e tenha outros pontos de vista. Quanto maior a inflexibilidade mental, maior a chance do indivíduo ser um admirador político, religioso ou ideológico com traços de extremismo. A partir dessa associação conseguimos perceber redes neurais típicas do terrorista, já que a flexibilidade mental é uma habilidade cognitiva orquestrada por uma região do cérebro conhecida como córtex pré-frontal.


É importante ressaltar que ao trazer o tema e expor o fato de que o comportamento do fanático possui uma base neurobiológica e genética, de forma alguma existe a possibilidade de justificar qualquer ato de radicalismo ou terrorismo por uma alteração cerebral, pois entende-se, na verdade, que os comportamentos sociais são o resultado de uma obscura interação gene-ambiente. Extremistas e terroristas são fanáticos e possuem uma disposição individual diferente sobre o julgamento moral, sensação de justiça, inflexibilidade cognitiva, mas não são psicóticos, então mesmo que existam alterações neurobiológicas, os fanáticos não devem ser colocados, por isso, em condição de inimputabilidade diante da lei.


Coloco este tema para ilustrar que, indivíduos extremistas, radicais e terroristas não compartilham apenas comportamentos psicológicos semelhantes como violência, intolerância, tendência a desrespeitar os direitos humanos e de minorias, mas compartilham também bases neurobiológicas comuns entre eles. Essa neurobiologia, influenciada pelo ambiente, predispõe a exacerbação do comportamento do fanático. Qual a forma mais eficaz de fazer isso? Creio que pelo discurso. A linguagem verbal, domínio cognitivo bem evoluído no ser humano, comparado a outras espécies, possivelmente é a forma em que o ambiente “cria” ou “proporciona” e consequentemente executa atos extremistas e terroristas.


Por fim, imaginem um discurso objetivo e maniqueísta com conteúdo de “nós x eles” ou de “bem x mal”, adentrando a mente de quem tem dificuldade no julgamento da sensação de justiça e uma inflexibilidade mental que o impede enxergar a zona cinzenta, saindo do preto e branco. Provavelmente, este indivíduo susceptível, irá aderir ao discurso e dificilmente sairá dele.


Segue abaixo as referências utilizadas para elaboração do texto.


· Zmigrod L, Eisenberg IW, Bissett PG, Robbins TW, Poldrack RA. The cognitive and perceptual correlates of ideological attitudes: a data-driven approach. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2021 Apr 12;376(1822):20200424. doi: 10.1098/rstb.2020.0424. Epub 2021 Feb 22. PMID: 33611995; PMCID: PMC7935109.


· Takeuchi H, Taki Y, Sekiguchi A, Nouchi R, Kotozaki Y, Nakagawa S, Miyauchi CM, Iizuka K, Yokoyama R, Shinada T, Yamamoto Y, Hanawa S, Araki T, Hashizume H, Kunitoki K, Sassa Y, Kawashima R. Differences in gray matter structure correlated to nationalism and patriotism. Sci Rep. 2016 Jul 15;6:29912. doi: 10.1038/srep29912. PMID: 27418362; PMCID: PMC4945903.


· Zhong W, Cristofori I, Bulbulia J, Krueger F, Grafman J. Biological and cognitive underpinnings of religious fundamentalism. Neuropsychologia. 2017 Jun;100:18-25. doi: 10.1016/j.neuropsychologia.2017.04.009. Epub 2017 Apr 6. PMID: 28392301; PMCID: PMC5500821.


· Izuma K, Matsumoto M, Murayama K, Samejima K, Sadato N, Matsumoto K. Neural correlates of cognitive dissonance and choice-induced preference change. Proc Natl Acad Sci U S A. 2010 Dec 21;107(51):22014-9. doi: 10.1073/pnas.1011879108. Epub 2010 Dec 6. PMID: 21135218; PMCID: PMC3009797.


· Into the Mind of Terrorist & Violent-Extremist: A Neuroscience Perspective & Review on Radicalization Authors Sabiqotul Husna Corresponding Author Sabiqotul Husna Available Online 28 July 2020. DOI https://doi.org/10.2991/assehr.k.200728.001








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