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O TDAH no contexto da "Sociedade do Cansaço"





‘’A sociedade disciplinar de Foucault, feita de hospitais, asilos, presídios, quartéis e fábricas, não é mais a sociedade de hoje. Em seu lugar, há muito tempo, entrou uma outra sociedade, a saber, uma sociedade de academias de fitness, prédios de escritórios, bancos, aeroportos, shopping centers e laboratórios de genética. A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho’’


É dessa forma que Byung-Chul Han, filósofo sul coreano, inicia o segundo capítulo do livro “Sociedade do Cansaço”. Nele, o autor explica a mudança de paradigma da sociedade disciplinar do século XX para uma sociedade do desempenho do século XXI. A transição entre as duas sociedades faria parte de uma continuidade que visa atender ao desejo de maximizar a produção. O sujeito da sociedade disciplinar é pautado pela negatividade, pelo ‘’não-ter-o-direito”, enquanto o sujeito da sociedade do desempenho é pautado pela desvinculação dessa negatividade, assumindo um caráter de positividade no sentido de poder ilimitado, não existiria mais o “não-ter-o-direito”, este sujeito estaria livre das influências externas que o obrigariam a trabalhar ou que poderiam explorá-lo. O indivíduo da sociedade do desempenho seria soberano de si mesmo.


À primeira vista, esta mudança traz uma sensação de liberdade àquele indivíduo que não presta contas, não está submisso a ninguém, além se si mesmo. No entanto, com um olhar mais atento, Han demonstra que este sujeito da sociedade do desempenho faz com que liberdade e coação coincidam e que ele acabe numa relação de trabalho de autoexploração.


‘’No lugar de proibição, mandamento ou lei, entram projeto, iniciativa e motivação. A sociedade disciplinar ainda está dominada pelo não. Sua negatividade gera loucos e delinquentes. A sociedade do desempenho, ao contrário, produz depressivos e fracassados”


Vou tentar trazer um olhar crítico a uma condição clínica de caráter essencialmente cognitivo e comportamental, sem entrar diretamente nas relações entre sociedade, capitalismo e neoliberalismo que são colocadas pelo autor.

Áreas da medicina que estudam o comportamento, como a Neurologia e a Psiquiatria, frequentemente se deparam com condições semiológicas (conjunto de sinais e sintomas) que cursam com um limite muito tênue entre o que pode ou deveria ser considerado normal ou alterado. Como exemplo, podemos citar a queixa de memória de um idoso, ou a dificuldade atencional de um adulto jovem, o limite entre o normal e alterado nestes dois casos nem sempre é fácil distinguir, temos alguns instrumentos e técnicas para tentar diferenciar o que é fisiológico do que é patológico, mas ainda assim é um exercício semiológico minucioso, que exige muita escuta e compreensão do contexto.

Voltando à temática do livro, a sociedade atual (do desempenho) tem como uma das características a produtividade, o desempenho, motivação e iniciativa. A crítica do autor nos leva a refletir o quão alto pode estar o balizamento das expectativas e exigências construídas por nós mesmos, o quanto do nosso desempenho cognitivo e comportamental diante de inúmeras demandas e estímulos construídos por nós mesmo (soberanos de si) são fontes de angústia, frustração e tristeza por não terem atingido nossas próprias expectativas.


Na prática clínica, observo que um dos transtornos de fenomenologia cognitiva/comportamental que têm sido mais aventados como hipótese diagnóstica pelos próprios pacientes, é o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Isso tem um motivo claro para acontecer, o TDAH não é mais visto como um quadro categórico (sim ou não – exemplo de uma situação categórica é a mulher gestante, ou ela está gravida ou não está), mas como um continuum de alterações comportamentais e cognitivas. Isso quer dizer que existem inúmeros níveis de intensidade dos sintomas e o que caracterizaria o TDAH seria o extremo destes sintomas. Quando nos deparamos com indivíduos que não estão neste extremo, mas possuem um funcionamento atencional distinto do que é considerado “normal” ou ‘’comum”, ou seja, possuem sintomas leves e ainda estão diante de demandas multi-task excessivas, o cérebro irá sentir uma dificuldade em exercer aquela demanda.


Um dos critérios diagnósticos para o TDAH é que os sintomas interfiram funcionalmente ou socialmente na vida do paciente, para entender isso, o encontro entre médico e paciente exige uma comunicação eficaz, assertiva e às vezes demorada, nem sempre atingida na primeira consulta, para certificar sobre os impactos destes possíveis sintomas.


A reflexão que trago neste texto é sobre a importância de pensarmos o quanto nosso estilo de vida atual e nossas expectativas em performances tem “criado” sintomas e o quanto disso trata-se de quadros com alterações psicobiológicas de fato e que merecem ser abordadas, pois já temos evidências na literatura médica suficientes para demonstrar os benefícios do diagnóstico e do tratamento.


Se você deseja saber mais sobre os sintomas do TDAH tenho outros textos publicados no site abordando o tema.



 
 
 

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